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domingo, 10 de maio de 2009

Subsídios ao Estudo da História Mundial Contemporânea: a Revolução Mexicana






Meu interesse pela História sempre se deu mais pelo conflito do que propriamente pelos períodos ditos “estáveis”. Na verdade defendo que a História se alimenta basicamente das mudanças, das rupturas. E Fernand Braudel estava consciente disto quando formulou sua tese sobre a dialética da duração, o tempo imóvel e as estruturas. Produzido há mais de dez anos, este pequeno texto que hoje me parece ingênuo, à época foi para mim bastante útil, me auxiliando em outros projetos dos quais me ocupava. Como fiz referência no Roteiro de História Mundial sobre a importância desta Revolução, pensei em compartilhar com vocês estas achegas, esperando que de alguma forma elas auxiliem seu estudo de História Mundial. Com um abraço!


ACHEGAS AO ESTUDO DA REVOLUÇÃO MEXICANA
Antonio Carlos Figueiredo

No México de 1910, camponeses ágrafos, despossuídos e até então, de forma geral, mera moldura na história do seu país, pegavam em armas para defender - e em muitos casos reconquistar - e manter as terras que outrora foram morada e meio de subsistência de seus antepassados. No Norte e no Sul do território mexicano dois líderes revolucionários catalizaram por alguns anos os anseios daquele povo simples - que assim como eles - esperavam poder continuar a conservar a alma próxima dos corpos cultivando seus pimentões, cebolas e tomates como haviam feito em dias do passado os seus avós e os avós de seus avós. O presente estudo está voltado para a Revolução Mexicana em sua vertente camponesa, centrando-se à luz da bibliografia disponibilizada, mas porém não esgotada, nas ações realizadas, bem como nas propostas nem sempre factíveis dos seus líderes Emiliano Zapata e Pancho Villa. Estes, dada a autenticidade de suas lideranças, baseadas ( suas ações assim o confirmam ) na sincera disposição de solucionar ao menos parte do drama social do seu povo.



Dentre as várias possibilidades de abordagem da Revolução Mexicana, os movimentos rurais conduzidos por Villa e Zapata possuem o mérito de impor-se por grande riqueza de matizes, seu estudo comparativo por si só já oferecendo ao leitor interessado, farto material para discussão. Para utilizarmos das palavras de Héctor H. Bruit,

" Pela primeira vez na história de sociedades modernas, ao que tudo indica, camponeses pobres, transformados em soldados e em políticos, puderam discutir não só seus problemas individuais e locais, mas também os principais problemas nacionais, visando a construção de uma nova sociedade, mais justa e mais livre. Ignorância, senso comum, princípios simples, algumas teorias mais sofisticadas misturavam-se, mas mantendo o eixo central - a condição do homem " (1988:38)

Condição que os camponeses da região de Morelos viam escapar como água escorrendo entre os dedos, quando reunindo-se no fim do verão de 1909 acordaram, diante do aviltamento da sua condição de sobrevivência, que alterações drásticas seriam necessárias daí por diante, sendo parte destas alterações, a ascensão de lideranças mais jovens - com o que os velhos anciões pareciam concordar plenamente, pois como todos aqueles campesinos "...não ignoravam que iam ter problemas durante os próximos anos " (WOMACK Jr., 1980:15)
Ano a ano, aquela gente simples de Morelos, como de outras partes do México, perdia terreno para as grandes plantações voltadas para a agricultura capitalista que fizera do México ao fim do período de governo do ditador Porfírio Diaz um triste exemplo de como realizar com exacerbação um projeto de concentração fundiária. Os números apresentados para a época são espantosos, demonstrando a concentração fundiária, quase sempre em detrimento do decréscimo da produção agrícola, o que revelava seu teor especulativo . Embora as leis da Reforma Agrária ( ainda em 1856-1857) houvessem iniciado uma transformação na propriedade das terras cultivadas, ferindo inclusive interesses da Igreja, sendo mesmo parte de seus esforços voltados contra terras de propriedade desta, com o propósito declarado de criar uma classe média rural viável no México, o que se passara a partir de então não fora coerente com a idéia da criação desta classe. As terras acumularam-se nas mãos de uma nova aristocracia rural colaboradora de Diaz, que além das terras eclesiásticas, avançara sobre as terras dos índios. Praticamente todas as propriedades que trocaram de posse ao vigor de tais leis haviam, sem prejuízo da própria pressão do mercado de terras ( com sua insidiosa monetarização sobre uma economia de caráter, digamos, quase natural, ou praticamente à base de trocas ) passado às mãos das haciendas e companhias de terras (1). Mas o Sul e o Norte do México, por suas especificidades haviam sofrido diante do projeto de desenvolvimento que se revelava excludente, um impacto diferencial.Tal impacto de certa forma ajuda a determinar em certa medida, a linha de ação, bem como as limitações que o Exército Libertador do Sul (zapatista) e a Divisão do Norte (villista) iriam enfrentar ao longo dos anos da década de 1910, a época reconhecidamente mais crítica do processo revolucionário, período de efervescência rural da Revolução Mexicana. Se esta Revolução fora concebida inicialmente pela facção encabeçada por Francisco Madero como de cunho eminentemente burguês e liberal, a avalanche desenvolvimentista do projeto porfiriano que se abatera sobre o campo, fazendo vítimas os campesinos mexicanos havia criado nestes demandas pari passu ao vilipêndio das condições de subsistência. A Revolução teria que se aprofundar, portanto, posto haver uma força armada relativamente disciplinada em mãos camponesas, ou seja, o transcorrer do processo revolucionário mexicano havia retirado do Estado, cujo governo agora estava nas mãos de Madero o monopólio do uso da força, tornando significativa então da facção à qual Madero representava, a insistência deste em sua entrevista com Zapata, no sentido de desarmar e desmobilizar o Exército Libertador do Sul . Nos anos que antecederam à Revolução, no Sul do México, ampliara-se o mercado para as safras tropicais, bem como para os alimentos destinados aos centros industriais, conduzindo à expansão da agricultura das fazendas e à intensificação da exploração da mão-de-obra do índio. Com efeito, o início das ações de Zapata ocorreria mediante o desafio lançado à uma hacienda que havia iniciado a ocupação de uma terra comunal já preparada para o plantio do milho, fato que ajudou Zapata a receber a partir de então contribuições de outras comunidades campesinas, passando a recuperar terras comunais com o apoio material e humano das várias comunidades, ao lado do apoio - assim acreditavam - da Virgem de Guadalupe de face escura ( sua protetora sobrenatural ). Zapata e seu grupo receberam com o passar das ações, a influência tanto de um grupo camponês possuidor de recursos próprios para o envolvimento no caminho da ação política autônoma, quanto à participação, logo no início de intelectuais dissidentes da face revolucionária urbana do México, Ricardo Flores Magón, o anarcossindicalista, autor do slogan zapatista "Tierra y Liberdad", bálsamo aos ouvidos camponeses que, sublevados lutavam em defesa de suas terras. Zapata iria transformar a redistribuição de terras no objetivo principal do seu movimento. Isto acende na historiografia uma polêmica, quando se comparam os zapatistas com o grupo de camponeses revolucionários do Norte do México, liderados por Pancho Villa. Villa conduzia o segundo núcleo da rebelião rural. Antigo peão numa hacienda, havia sido envolvido no assassinato do proprietário desta, em desafronta à sua honra familiar. Tornando-se tropeiro e bandido, conseguindo no entanto formar uma ampla rede de relações sociais, ao roubar dos ricos para dar aos pobres. Quando é deflagrada a Revolução, logo aderi à sua causa, passando a ser um dos seus líderes mais importantes. Preso, conhece na cadeia Gildardo Magaña, que o ensina a ler e escrever, além de introduzi-lo sobre o programa agrário de Zapata. Após fugir da prisão, ruma para o norte e reúne uma força de três mil homens, núcleo da futura "División del Norte" ( que em fins de 1914, contava com um exército de 40.000 pessoas ). Embora Villa simpatizasse com as exigências do Plan de Ayala dos zapatistas, jamais encetaria uma reforma agrária consistente nas áreas sob seu controle. O historiador Marco Antonio Villa, escrevendo sobre o villismo, esclarece que o comandante da "Divisão do Norte", ao contrário de Zapata, que havia lutado "...fundamentalmente em Morelos " (1992:133), havia ampliado suas ações a vários Estados do Norte, sendo seus soldados camponeses obstaculizados a receberem os benefícios da reforma agrária, ou seja caso viesse uma reforma agrária massiva ad hoc nas regiões controladas por Villa, o imposto de sangue cobrado diariamente nas lutas que os homens da "Divisão do Norte " empreendiam não seria plenamente recompensado necessariamente com as melhores terras. Pancho Villa praticava sobretudo o confisco, não se limitando este ao caso da terra, mas também no tocante às necessidades imediatas do homem, como a alimentação, visto que ao entrar em povoados onde houvesse fome por parte da população local, tratava rapidamente de expropriar excedentes dos depósitos do ricos moradores, para distribuição à população necessitada.






Marco Antonio Villa, prosseguindo na recuperação da memória das ações de Pancho Villa, acaba no entanto por polemizar com historiadores como Hobsbawm e Eric Wolf. No caso de Hobsbawm a crítica de Villa dirige-se à forma pela qual o historiador inglês refere-se no seu livro "Bandidos" à Pancho Villa e seus seguidores. Embora Hobsbawm registre o importante papel desempenhado por Villa e seu exército de "...rebeldes salteadores... "(1976:107), o que na verdade não deixavam de ser em grande medida, (em seu texto - Francisco "Pancho" Villa: uma liderança da vertente camponesa na Revolução Mexicana - Marco Antonio Villa refere-se às expropriações realizadas nem sempre de modo parcimonioso pelos villistas) além de considerar Pancho Villa um caudilho, o que em parte também não deixava de ser, sendo talvez a questão central da polêmica movida pelo razão de Hobsbawm diferenciar o zapatismo do villismo, considerando o primeiro como expressão de uma revolução social, ao passo que ao villismo restaria o papel próximo do banditismo social, sendo Pancho Villa o "...único líder mexicano que tentou invadir a terra dos gringos neste século" (p.108). O que Marco Antonio Villa não parece levar em conta é o próprio teor do trabalho de Hobsbawm, bem como do que este considera ser um "bandido social ", considerando mesmo o banditismo social como elemento precursor das revoluções camponesas de vulto, ou seja, sem banditismo social, sem dúvida uma válvula de escape e expressão de anseios populares, não haveria na mesma intensidade, pela questão mesma do exemplo aos oprimidos das formas de protesto imediatamente possíveis. Outro problema na obra de Marco Antonio Villa estaria na crítica a passagens do trabalho de Eric Wolf , quando este analisa a liderança de Pancho Villa como sendo incapaz de compreender as necessidades políticas e sociais. A barreira maior que Marco Antonio Villa (1992) não consegue transpor seria que em 27 de março de 1915, os delegados de Pancho Villa à Convenção Revolucionária de Aguascalientes haviam chegado a defender direitos tradicionais do século dezenove, da propriedade privada e do indivíduo, contra os radicais zapatistas. Tal fato parecendo confirmar a referência de Eric Wolf ao "...surgimento de uma nova ' burguesia ' dentro do próprio exército do Norte " . (1984: 58)
O encontro histórico dos líderes das duas vertentes camponesas da Revolução Mexicana, ocorrido na Cidade do México em fins de 1914, quando celebraram sua união fraternal, não conseguindo porém criar a máquina política capaz de governar o país, parece ser significativo da incapacidade dos movimentos zapatista e villista de instituirem uma nova ordem no México. Disto iria aproveitar-se a terceira força na Revolução Mexicana: o Exército Constitucionalista, formado pelas alas liberal e radical. A necessidade premente de uma reforma social viável era condição sine qua non a que se viesse quebrar a superioridade de Villa e Zapata, cujos seguidores acenavam com um programa social cada vez mais avançado. Ocupando somente posições periféricas no país, os exércitos constitucionalistas vieram a gozar de vantagens como o controle de recursos estratégicos bem como de portos ligados ao comércio externo, vantagens essas que transformadas em dólares serviam para a compra de armas. Neste sentido, podemos dizer, fazendo coro a Hector H. Bruit que "a derrota da revolução camponesa se deu no campo de batalha, por meio das armas e do assassinato político e não por ser utópica, regionalista e camponesa... " ( 1988:40) . Com efeito, se as vertentes camponesas da revolução não haviam conseguido libertar-se das necessidades imanentes à sua formação social, colocando-se em termos gramscianos, como corrente revolucionária de proposta hegemônica, o que para tanto teria que absorver demandas de grupos burgueses, de trabalhadores urbanos e classe média, isto não fazia irrealizável o projeto camponês, não obstante criasse um impasse 'ad infinitum' no processo revolucionário, dando ensejo a que outros grupos viessem a aproveitar-se de vantagens ocasionais. Enfim, para fazer-mos uso da análise de Octávio Ianni, se a Revolução Mexicana por volta de 1914 possuía uma razoável conotação socialista, acabaria por realizar-se como revolução burguesa (2). Embora Zapata fosse traiçoeiramente emboscado e assassinado em 1919, e Pancho Villa também viesse a ser assassinado numa fazenda de Chihuahua em 1923, após fazer a paz com Álvaro Obregón, sucessor de Carranza, as demandas colocadas pela vertente camponesa da Revolução Mexicana não poderiam ser ignoradas no futuro, cujas provas mais nítidas são os expedientes do 'ejido' e do 'Banco Ejidal '. Na sua fase de institucionalização a Revolução Mexicana não poderia prescindir das figuras de Zapata e Villa, os quais aparecem retratados em "murales", essa magnífica forma de arte, ao lado de figuras burguesas, muitas das quais eles haviam combatido sem tréguas, dados os lados opostos nos quais se colocaram durante aquela revolução.







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NOTAS :

(1) Eric R. WOLF, guerras camponesas do século XX, p.31-34. Esta parte do texto de Wolf realiza análise sintetizada da política agrária sob a ditadura de Diaz.

(2) Um aspecto interessante na análise de Octávio Ianni está na conceituação do Cardenismo como uma espécie de populismo, mesclado com zapatismo, bem como à vinculação da Confederação Nacional Camponesa, Banco Ejidal e outros órgãos como forma de subordinação de camponeses e operários rurais ao Estado, oferecendo a estes presença (real ou simbólica) no Estado Nacional. Ou seja, o que Villa e Zapata não puderam oferecer à sociedade nacional mexicana quando tomaram a Cidade do México e ocuparam o Palácio do Governo em 1914, os burgueses trataram mais tarde - ao menos em ideário - de realizar.

BIBLIOGRAFIA :

BRUIT, Héctor H. Revoluções na América Latina. São Paulo: Atual, 1988.

CÓRDOVA, Arnaldo. La ideología de la Revolución Mexicana: la

formación del nuevo régimen. México: Era, 1973

HOBSBAWM, Eric J. Bandidos. Rio de Janeiro:Forense-Universitária, 1976

IANNI, Octávio. In: SANTOS, José Vicente T. dos.(Org.). Revoluções cam-

ponesas na América Latina. São Paulo: Ícone, 1985.

WOLF, Eric. Guerras camponesas no século XX. São Paulo: Global, 1985.

WOMACK Jr., John. Zapata e a Revolução Mexicana. Portugal: Edições 70,

1980.

VILLA, Marco Antonio. Francisco "Pancho" Villa: uma liderança da verten-

te camponesa na Revolução Mexicana. São Paulo: Ícone, 1992.

___________________. A Revolução Mexicana. São Paulo: Ática, 1993.

Um comentário:

  1. http://www.4shared.com/file/103567783/e4b33f53/FAQ_do_Candidato_a_Diplomata.html

    Perdoe-me o comentário inoportuno: Gostaria de avisar que existe uma cópia do FAQ do Renato Godinho que saiu fora do ar deixando candidatos apreensivos. O link está acima.

    Ótima resenha pena que eu não vou ter tempo de ler esse livro segundo meus cálculos. Obrigado Antonio Carlos.

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