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terça-feira, 27 de julho de 2010

Estudo Dirigido de Política Internacional



Respostas das Tarefas do Estudo Dirigido de Política Internacional

1) Leia atentamente o seguinte texto:

“Em um mundo com ameaças menores mas, em alguns aspectos, mais mortais, a capacidade de defender-nos e de defender nossos amigos contra ataques de mísseis e outras armas terroristas pode fortalecer nossa estratégia nuclear e fornecer complemento importante às capacidades puramente de retaliação. Além disso, a capacidade de proteger nossas forças é essencial para preservar nossa liberdade de ação em uma crise. Com esse propósito, deve-se alcançar defesa eficaz como mísseis (não apenas defesa doméstica, mas também a capacidade de defender as forças norte-americanas no exterior, nossos aliados e amigos) da maneira mais eficaz em relação ao custo que ofereça a moderna tecnologia.” (Donald Rumsfeld, março de 2001).

Em relação ao texto acima: a), identifique a corrente teórica das RI que melhor enquadram a fala do Ex Secretário de Defesa Norte-Americano ( 20 de Janeiro de 2001 a 8 de Novembro de 2006) , sob o governo republicano do Presidente George W. Bush.

Resposta: Os homens de Estado Norte-Americanos, via de regra, possuem cosmovisão e ethos moldados por princípios afeitos ao realismo. E o antigo Secretário de Defesa dos EEUU , durante parte do Governo Bush, não é exceção. As idéias-chave do realismo são a força e a sobrevivência, e seu precursor filosófico é Thomas Hobbes. Os realistas partem do pressuposto do sistema anárquico de Estados, e enfatizam a continuidade. Considera-se que são presas de uma visão estática ou cíclica do processo histórico. Em termos modernos, o realismo é exemplificado pelos textos e políticas do ex-Presidente norte-americano Richard Nixon, e do seu Secretário de Estado Henry Kissinger. Porém se entendermos que os problemas centrais nas relações internacionais são, para os realistas, a Guerra e o uso da Força, encontraremos agrupados no círculo dos realistas, Tucídides, Otto von Bismarck e E. H. Carr, com sua obra seminal Vinte anos de crise, 1919-1939, lançada aos primeiros movimentos da II Guerra Mundial. Seu teórico de maior projeção foi Hans Morgenthau, autor do clássico “A Política entre as Nações”, de 1948. Mongenthau, um emigrè ao tempo da II Guerra Mundial, fez dos EEUU sua nova pátria, e da Universidade americana, seu novo lar.


b) Justifique sua resposta extraindo da transcrição acima, os pressupostos dessa corrente teórica, anotando pelo menos, duas evidências que autorizem a identificação com a corrente proposta.

Resposta: Os princípios expostos por Hans Morgenthau no seu livro, “A Política entre as Nações”, parecem imbricados à declaração de Rumsfeld. Para Morgenthau (A Política entre as Nações, 1ª ed em 1947) há seis princípios centrais no Realismo Político:
1. O realismo político é governado por leis objetivas que tem raízes na natureza humana.
2. O conceito de interesse, definido em termos de poder, é o principal elemento das análises do realismo político.
3. O realismo admite que a idéia de interesse é realmente a essência da política, e que não é afetada pelas circunstâncias de tempo e de lugar.
4. O realismo político está atento ao significado moral da ação política.
5. O realismo político recusa identificar as aspirações morais de uma nação particular como uma lei moral que governa o universo.
6. As diferenças entre o realismo político e outras escolas de pensamento são reais e profundas. Entretanto, muitas teorias do realismo político tem sido mal interpretadas e mal entendidas. Isso não deve ser contraditório com sua distinção intelectual e atitude moral em matéria de política. Ora, Rumsfeld trata em todas as idéias-força constantes da sua declaração, da capacidade de defesa norte-americana, afinal a força empregada por um Estado – a guerra - não é a sua “última razão” ? Essa condição, para Rumsfeld, deverá se manter independente da força dos seus aliados, os quais os americanos deverão, inclusive, estar em condições de defender, independente da crise que ocorra. A linha-mestra do discurso de Rumsfeld é o princípio do interesse.



2) Tendo ainda em mente a fala de Rumsfeld, realize um esforço no sentido de correlacionar a preocupação daquele antigo Secretário de Defesa, com o padrão histórico perseguido pelos EUA, conforme exposto no texto de Cristina S. Pecequilo. (A Política Externa dos Estados Unidos: continuidade ou mudança?. Porto Alegre: UFRGs, 2003)

Resposta: A professora Cristina Pecequilo, em sua tese de doutoramento citada acima, nos remete às obras de Walter Russel Mead, autor que sustenta que a política externa dos EUA, como de qualquer outro país, é constituída por uma conjunto de interesses e valores tradicionais, sintetizados em preocupações estratégicas-chave traduzidas em determinada época por determinada geração, de forças específicas. Haveria para Mead, vistas voltadas prioritariamente para o caso americano, a constatação de que embora possam variar as maneiras pelas quais o interesse está sendo perseguido, no que são aplicadas diferentes táticas, dependendo do local, tempo e circunstância, um certo padrão subjacente na definição desse interesse, que é variável e não modificado pelas demandas do contexto. E a base de elaboração para a perseguição desses interesses está localizada na tradição da nação. Para Mead, citado por Cristina Pecequilo, são quatro as estratégias permanentes dos Estados Unidos:
1. A liberdade dos mares, traduzida para o atual contexto, como a liberdade dos mares e dos ares;
2. A abertura de portas, com vistas à expansão dos interesses comerciais;
3. O controle dos fluxos financeiros, comerciais e monetários; e,
4. A proteção doméstica do país, e a preservação do caráter específico de sua sociedade e política.

É importante ainda acrescer, de acordo com Pecequilo, que ao longo da evolução da política externa, três conjuntos de objetivos sempre estiveram presentes na agenda:
1. A garantia da paz e da prosperidade;
2. A manutenção da estabilidade e da segurança;
3. A promoção e a defesa da democracia.
E naturalmente, deveremos ter em mente que ,diluído nas idéias expostas por Rumsfeld, encontram-se mais ou menos claras, idéias afins ao conjunto de objetivos acima expostos, os quais encontram-se articulados aos seis elementos do padrão histórico norte-americano, a saber: 1- O experimento norte-americano; 2- O isolacionismo; 3- O unilateralismo; 4- A expansão das fronteiras; 5- O sistema americano; e, 6- O wilsonianismo.


3) No voo de volta ao Brasil, o “Blog do Planalto”, sítio eletrônico estatal vinculado à Presidência da República, entrevistou o Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, sobre o acordo firmado no dia 17 de maio entre Irã, Brasil e Turquia para o enriquecimento do urânio iraniano com fins pacíficos. O ministro estava convicto de que o acordo daria as condições necessárias para se evitar novas sanções ao Irã e comemorava a vitória da diplomacia sobre a pressão.
Observe abaixo, trechos da entrevista do Chanceler Celso Amorim, que auxiliam na compreensão sobre a posição brasileira em relação à crise iraquiana:
“Capacidade de persuasão do Brasil e da Turquia foi mais eficiente do que a linguagem da pressão”, dizia Amorim.
Para o chanceler brasileiro, os parágrafos do acordo que dizem respeito à troca do urânio iraniano - depósito de 1.200 quilos de urânio levemente enriquecido na Turquia e recebimento, até um ano depois, de 120 quilos de urânio enriquecido a 20% - são os mais importantes, por ser “um instrumento fundamental para a criação de confiança e abrir o diálogo”.
Celso Amorim frisava ainda que o acordo prevê a continuação das negociações, e fazia questão de destacar ser a primeira vez que o Irã aceitava depositar seu urânio num terceiro país (no caso, a Turquia) e assumir por escrito seus compromissos com a Agência Internacional de Energia Atômica (AEIA).
“Eu acho que não há fundamento algum para novas sanções à luz do acordo. Não sou dono da cabeça de ninguém, mas eu acho que estão dadas as condições para a solução do caso do programa nuclear iraniano.”
a) do texto acima transcrito, quais pressupostos, levando-se em conta as correntes teóricas das Relações Internacionais, melhor espelha a posição brasileira ?

Resposta: A corrente neorrealista, da qual Kenneth Waltz é um dos grandes expoentes, poderia ser identificada como sendo a que melhor espelha a atual posição brasileira. Porém é claro que temos que tomar certas precauções quando relacionamos “tipos ideais” com o mundo real dos eventos diários. A Corrente neorrealista surgiu com o objetivo de desenvolver uma análise mais precisa das relações internacionais, baseada nos pressupostos realistas clássicos, porém com adaptações que tinham que considerar uma realidade internacional mais complexa. A perspectiva tradicional realista, vale dizer, o princípio da soberania estatal ( o Estado ainda como o grande ator do cenário internacional), a Sociedade Internacional sob limites no campo da cooperação e da integração, o equilíbrio de poder em defesa dos interesses dos Estados; sua expansão, ou, ao menos a preservação da sua existência. Na realidade, poderíamos dizer que mesmo tentando atualizar o realismo, os neorrealistas utilizam o chamado “núcleo duro” de alguns pressupostos que, agrupados em teoria, ajudaram a formar uma teoria advinda de certa tomada de posição diante de fatos da Política Internacional dos anos 20 e 30 do século passado, conforme encontramos em obras de Edward H. Carr (Vinte Anos de Crise, 1919-1939), assim como de “A Política entre as Nações”, obra de 1947, da lavra de Hans Morgenthau.
É bom que se diga que no Brasil posterior a 2002, ocorreu uma revisão nos rumos da política externa, mudança bastante imbricada à revisão do modelo de desenvolvimento que esvaziara o Estado de seu papel de comando em favor do mercado. Ora, ao reinvestir o Estado do seu papel tradicional de guia e condutor do desenvolvimento, porém tentando despir a antiga roupagem do desenvolvimentismo, em prol das características do que se entende por ‘Estado logístico’ o período pós-2002 testemunhou ser adotada, em termos de política externa, uma postura mais realista e despida de utopia, que tenta colocar em jogo a reciprocidade de interesses a realizar nas negociações. Para o Prof Amado Cervo, a diplomacia contribuiu positivamente para a criação de coalizões ao Sul, entre países emergentes que lograram bloquear as negociações comerciais sem reciprocidade entre o norte e o sul, desde a conferência ministerial da OMC em Cancun, em 2003. Para Cervo, esse foi o momento no qual o Brasil emergiu como poder global, passando a determinar, ao lado das estruturas hegemônicas, o ritmo e a natureza das regras e do regime do comércio internacional. Ou as regras da governança global seriam válidas e produziriam efeitos benéficos para todos os países que integravam a economia de mercado da era da globalização, ou deixariam de reger o ordenamento das relações internacionais. Convém lembrar que uma posição mantida pelos neorrealistas, em uma visão mais afeita ao momento atual, seria a Globalização. Os neorrealistas, á frente Waltz, alertam que os entusiastas da teoria da interdependência sofrem de falta de perspectiva histórica, pois o volume de trocas comerciais de 1913, somente tornou a ser alcançado em 1973.

b) Da fala do Chanceler brasileiro é possível identificar alguma continuidade quanto ao padrão histórico das Relações Internacionais do Brasil?

Resposta: Certamente. Dos excertos da fala do Chanceler Celso Amorim estão presentes vários componentes do acumulado histórico ou padrão histórico da diplomacia brasileira, os quais contribuem para fazer da política exterior, política de Estado, ao imprimir-lhe a lógica da racionalidade e ao dar prevalência à continuidade sobre a mudança, à causalidade sobre a ruptura. Convém lembrar que fazem parte deste padrão ou acumulado histórico (alguns deles identificados nos fragmentos da fala de Celso Amorim, acima): 1. Autodeterminação, não-intervenção e solução pacífica de controvérsias; 2. Jurisdicismo; 3. Multilateralismo normativo; 4. Ação externa cooperativa e não-confrontacionista; 5. Parcerias estratégicas; 6. Realismo e pragmatismo; 7. Cordialidade oficial no trato com os vizinhos; 8. Desenvolvimento como vetor; 9. Independência de inserção internacional.


4) Em relação à crise do Irã, o que mais difere as posições do Brasil e dos Estados Unidos, tomando-se em consideração os padrões históricos brasileiro e americano ?

Resposta: A primeira diferenciação em relação ao posicionamento mantido pelos norte-americanos, encontramos no acumulado histórico brasileiro denominado por “independência de inserção internacional”. Este acumulado, contamina como substrato ideológico, todos os outros, de acordo com o Prof. Amado Cervo. A vocação do Brasil é perseguir um modo próprio de inserção internacional, enquanto que aos Estados Unidos cabe o papel do hegemon, ou seja, daquele que dá as cartas do jogo, e obviamente, por ser considerado aquele sem o qual o jogo não se inicia. O Estado hegemônico exige o alinhamento às suas idéias e costuma jogar duro com os chamados Estados contestadores, considerado aqui, o Irã. Em relação aos Instrumentos da Política Internacional, sabemos ainda que, na perspectiva realista, a força militar é apresentada como o único instrumento que realmente importa. Ora, embora a força continue sendo um instrumento decisivo na Política Internacional, sabemos pelos escritos do Prof. Joseph Nye, que não é mais o único instrumento. E disto todos nós já não conseguimos manter sérias dúvidas. O uso da interdependência econômica, das comunicações, das instituições internacionais e dos protagonistas transnacionais às vezes desempenha um papel mais significativo do que a força. No Mundo de hoje, os EUA, ainda a potência hegemônica, tomando por base sobretudo a perspectiva realista, situação que se mantém, mesmo diante da contrafactualidade mais pessimista das projeções que a responsabilidade acadêmica permite sugerir como projeção futura, possui no presente mais recursos de poder que a Grã-Bretanha em seu ápice imperial. Porém possui menos poder que os britânicos quando governavam um quarto do planeta. Em 2003, por exemplo, os EUA não conseguiram sequer que o México e o Chile votassem a favor de uma segunda resolução do Conselho de Segurança da ONU, autorizando a invasão do Iraque. Os EUA invadiram o Iraque, batalha inicial da sua demanda, mas não conseguem administrar a ocupação. Na época da informação mundial, o poder, conforme escreveu o Prof. Nye, é distribuído entre os países de acordo com um padrão que lembra um complexo tabuleiro de xadrez tridimensional, no que se joga tanto na vertical, quanto horizontalmente. No tabuleiro de xadrez superior, estão as questões político-militares: aí os EUA é amplamente unipolar. Porém no tabuleiro intermediário das questões econômicas, os EUA não são uma hegemonia, e precisam negociar no mesmo plano, quando a Europa atua de maneira unificada. É sabido que nas questões antitruste ou comerciais, os EEUU devem equiparar-se à Europa, à União Européia, para conseguir acordos.E no tabuleiro de xadrez inferior das relações transnacionais que cruzam as fronteiras fora do controle dos governos, e incluem protagonistas tão diferentes como banqueiros e terroristas, o poder é disperso caoticamente. Colocadas estas considerações, e mantido o posto de potência hegemônica para os Estados Unidos, caberia aprofundar um pouco sobre a busca brasileira pela solução pacífica de controvérsias, padrão da ação diplomática que carrega princípios e valores que influenciam a conduta até o presente, e que seriam o fio condutor quando procuramos diferenças de posicionamento quanto à crise do Irã: o legado conceitual do pan-americanismo, o pacifismo do Barão do Rio Branco, o fato do Brasil se envolver em duas guerras mundiais engendradas pelos outros, a convivência das diferenças na sociedade brasileira, acaba sugerindo a coexistência entre nações de cultura e interesses diferenciados, entre outras influências. O Jurisdicismo, outro dos nossos acumulados históricos, reforça o padrão anterior da solução pacífica de controvérsias. Na perspectiva do jurisdicismo, os tratados foram assimilados como fatores de estabilização das relações internacionais, desde que o Brasil firmou, à época da sua independência, cerca de duas dezenas de tratados desiguais com as potências capitalistas de então.

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