Um Esboço das Relações Internacionais da Europa, das vésperas da I Guerra Mundial, ao período “entre-guerras”
Antonio Carlos Figueiredo
A Europa das vésperas da Grande Guerra mantinha graves focos de tensão, potencializados ainda mais por incluir disputas geopolíticas, competição inter-imperialista, emergência de novos atores, e, por conta de tudo isto, um ambiente propício às alianças militares e à diplomacia secreta, que conduziram à corrida armamentista. O nacionalismo exacerbado, dito modelo 1914, esperava portanto, apenas uma crise. Em termos geopolíticos, eram em número de três, as principais áreas de disputa no continente europeu. Começando pelos Bálcãs, havia o confronto de interesses entre a Sérvia e a Áustria-Hungria, com os sérvios recebendo sustentação do Império Russo, nominalmente sob a forma de solidariedade de um pretenso pan-eslavismo, ao passo que o multinacional Império Austro-Húngaro recebia apoio alemão. A fronteira franco-alemã possuía, na guerra franco-prussiana, um manancial de ódios represados, materializados no desejo de desforra mantido pelo Estado e sociedade francês, sobretudo no seu Exército (o Plano XVII, o irresistível e ofensivo élan francês, o dólmã azul e a calça vermelha), mas também em seus mestre-escolas: o alemão “bárbaro”, inimigo do “ocidente”. Tudo isto, era atualizado pela posse alemã das antigas províncias de Alsácia e Lorena. A fronteira russo-alemã era outra das áreas de tensão. A Alemanha fizera, da união dos interesses da sua nobreza rural, os junkers, com os industriais das cidades, uma espécie de compromisso de interesses, tornado cimento superestrutural do Reich, o chamado “casamento do ferro com o centeio” (alusão aos seus principais produtos). Desta união surgiu a chamada sociedade guilhermina, modernizada pelo alto, sob uma forma conservadora e de pouca afeição à democracia. Sua produção industrial ameaçava – ao pensarmos em uma força profunda de natureza econômica – os interesses comerciais do Império Britânico. E em uma era de Impérios, torna-se necessário assinalar, as potências européias haviam se lançado, abertamente, a partir da Conferência de Berlin (1885) à conquista de Colônias, fosse pelo controle territorial, ou mesmo mantendo, quando houvesse governo local que merecesse esse nome, uma espécie de independência nominal.
Outro fator incontornável para pensarmos as vésperas de 1914, eram os novos atores, os quais: a) moviam conflitos de nacionalidades; b) o movimento operário em seus moldes traçados na II Internacional; e c) a desenraização de populações rurais, absorvidas parcialmente pelos novos territórios coloniais, ou a engrossar o exército industrial de reserva (essa conhecida expressão de K. Marx), quando não faziam aumentar o chamado lumpen proletariado (essa outra expressão de Marx), que nos leva irremediavelmente a uma expressão da época: as “classes perigosas”, pesadelo do Estado e dos seus organismos de repressão. Foi o medo da força das minorias nacionais, do socialismo e das convulsões proporcionadas pelas “classes perigosas” que favoreceram nas cabeças coroadas da Europa - secundadas pela nobreza nostálgica e a cúpula da alta burguesia – pelos instrumentos do darwinismo social e pela guerra – a continuidade de aspectos daquilo que Arno J. Mayer denominou por “persistência do Antigo Regime”.
Um resumo, bastante simplificado é claro, do ambiente internacional às vésperas da I Guerra Mundial, ajuda a explicar o que foi colocado nas últimas linhas. Observamos inicialmente um forte expansionismo alemão, o qual busca uma paridade naval com sua rival pelos lucros do comércio mundial, a Inglaterra. Porém a Alemanha é um Império central na Europa, cercada de inimigos figadais e seculares, tanto a Oeste, quanto a Leste do seu território. Porém se possui colônias que serviam para a projeção dos seus interesses, em menor número que a Inglaterra, a pretendida paridade naval com os ingleses, poderá colocar as colônias e as rotas navais inglesas em risco, e era óbvio, que a Inglaterra não queria perdê-las. No entanto, uma guerra no continente europeu, em face das alianças possíveis, envolvia o que Joseph Nye costuma chamar de "funil de escolhas". A explicação é bastante simples e fácil de ser identificada, inclusive em termos gráficos: havia um “funil de escolhas” que acabaram por levar à Guerra, e este funil, a partir de tais escolhas, começou a se estreitar em 1870 (com a Guerra Franco-Prussiana), prosseguindo seu estreitamento quando o kaiser Guilherme II demitiu Otto Von Bysmark (1890), e chegando aos vários episódios de alianças e da diplomacia secreta como em 1904 (entente Grã-Bretanha e França), 1907 (Tríplice Entente, com a Rússia passando a integrar-se na aliança anteriormente formada por ingleses e franceses). Em 1910, o funil de escolhas estreita-se ainda mais, gerando insegurança, corrida armamentista, crises localizadas, mas sobretudo, emoldurando cada vez mais, o cenário dos chamados “futuros possíveis contrafatuais”; contrafatuais é claro, se tomarmos por base 1913, último ano gozado em inteira paz, até que houvesse o atentado terrorista de inspiração nacionalista em Seravejo, vitimando o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro. Evento que, como sabemos, acabou por desembocar a Grande Guerra, a partir das garantias dadas à Áustria pela Alemanha; apoio que se revelou um verdadeiro "cheque em branco". O mundo teria que necessariamente ter ido à Guerra? Podemos considerar que não. Pois para haver uma guerra tem que haver certa relação entre causas sistêmicas de nível internacional (digamos, o aumento do poderio alemão), causas societárias a nível interno (nacionalismo em ascensão, conflito de classes interno, política alemã agressiva) as quais se juntam no sistema internacional para causar, tanto uma bipolaridade de alianças (como foi o caso das alianças acima citadas) que acarretam uma perda de moderação no processo do sistema, os quais poderão levar uma crise ao limite. Então, nesse momento, juntamente às causas sistêmicas e societárias, entram as causas pessoais, melhor dizendo, a personalidade dos líderes. O Káiser quis a Guerra em 1914. E não foi o único a querê-la.
Quando os Estados-Maiores da Tríplice Aliança e da Tríplice Entente expediram, em agosto de 1914, as suas ordens de mobilização e marcha com a finalidade de executar, entre outros os Planos XVII (francês) e Schlieffen (alemão), estavam na realidade instrumentalizando, sob o abrigo da febre de nacionalidade, forças profundas como a capacidade industrial de sociedades de massa, cujos experimentos tecnológicos incluíam os gases letais, a metralhadora em larga escala, o avião, o carro blindado e o submarino. Além, é claro das locomotivas, tão úteis em uma guerra que se revelava de "massa". Contudo, uma guerra profundamente estática e desgastante. Impasse cujo fiel da balança, sobretudo após a retirada da Rússia, somente poderia ser superado pela entrada de um ator extra-europeu: os Estados Unidos da América. O conflito mundial levado a efeito em 1914, sob um clima de celebração ufanista das virtudes propaladas por arraigado nacionalismo, acabou por dar ensejo em 1919, a um mundo em que havia espaço para o idealismo esboçado no projeto de segurança coletiva representado pela Sociedade ou Liga das Nações, mas também pelo fortalecimento das idéias pacifistas. Vale lembrar que o acordo de Versalhes é considerado como o primeiro ato constituinte de auto-regulação global por parte de uma sociedade que, de européia, tornara-se mundial; arranjo transitório, é verdade, dadas as ausências da Rússia e da Alemanha. O objetivo em Versalhes era produzir tanto um acerto que pudesse funcionar para a Europa, quanto a planta das regras e das instituições para uma sociedade mundial capaz de manter a ordem e de evitar a guerra. Foi nos poros cedidos pelo imperfeito esboço dessa ordem, que frutificaram o nazismo, o fascismo e o socialismo de Estado, ao longo das décadas de 20 e 30. Convém acrescer que os elementos de continuidade com o passado europeu ainda eram muito fortes, talvez os principais, nas mentes dos estadistas reunidos em Versalhes. Os próprios tratados de paz eram documentos juridicamente geradores de obrigações de acordo com a tradição européia, embora os termos tenham sido mais abertamente ditados pelos vencedores. Os vencedores de então redesenharam fronteiras, aboliram Estados, criaram novos Estados e impuseram indenizações financeiras pouco sábias. A concepção da nova sociedade global, a Liga das Nações, perpetuou a prática de cinco grandes potências, que, exceto em casos de desacordo claro, tinham a finalidade de constituir uma espécie de concerto do mundo, por dominarem o Conselho da Liga; esta concepção de sociedade global incorporava quase todas as regras e as práticas que haviam se desenvolvido na grande republique européia, inclusive seu direito internacional e sua diplomacia, assim como seus pressupostos básicos sobre a soberania e a igualdade jurídica dos Estados reconhecidos como membros independentes da sociedade, deixando virtualmente intactas as capitulações e outras práticas que os europeus haviam instituído coletivamente em países que iam do Marrocos à China, bem como as grandes estruturas imperiais dos Estados dependentes controladas pelos vencedores e por alguns países neutros. A opinião pública dos países democráticos ocidentais, bem como os seus estadistas, em face do horror da carnificina e destruição experimentadas na Grande Guerra, elegeram como tarefa primordial, criar um sistema de segurança, declarar a guerra “fora da lei” e evitar um outro armagedon, o que auxilia a explicar o pacifismo de populações com poder de voto, e a devida cautela por parte de seus governos democráticos nas décadas de 20 e 30, com os gastos militares, em uma época de reconstrução, crise e depressão econômica. A vexatória e humilhante cláusula de culpa de guerra, à qual os alemães tinham sido obrigados a aceitar, e a divisão dos espólios de guerra que tornaram insatisfeita a Itália e o Japão, fizeram surgir diante de uma inoperante Liga das Nações, o fascismo italiano e o nazismo alemães, assim como diversas cópias e simpatizantes pelo continente europeu, e além deste. Nunca é demais dizer que o nacionalismo exacerbado e a crise econômica funcionaram como se fossem “água para o moinho” de Mussolini e Hitler, derrubando as frágeis democracias italiana e alemã. Os ditadores alemão e italiano tinham bons motivos para sorrir às vésperas da II Guerra, quando receberam a companhia do Japão, movido por sua casta militarista. Esperavam as potências ocidentais que o arroubo daqueles ditadores fosse lançado contra a URSS, considerada então um Estado “fora-da-lei”. Na conjuntura do período entre-guerras, as expressões “Ditador”, considerada em certos círculos nada pejorativa, e “ nacional socialismo” possuíam seguidores nada envergonhados, e a inovação trazida pela recén-introduzida forma massiva de propaganda governamental, o rádio e o cinema, aumentavam este círculo de crentes, e colocavam como incontestável a planificação econômica por parte do Estado; afinal, não fora um economista acima de qualquer suspeita, e mesmo avesso confesso ao socialismo – John Maynard Keynes - que se rendera aos benefícios do planejamento estatal ? A legitimação de aberrações contra a espécie humana, desde os campos de concentração, até as algumas pesquisas genéticas extremamente condenáveis, passando pelas "mortes sociais" representadas pelo afastamento sumário dos cargos públicos dos contrários ao regimes de força, ou pelos julgamentos nos tribunais de exceção, tornaram-se de certa forma,palatáveis, sob o abrigo de um pretenso bem estar das "massas". A política de apaziguamento apresentada a uma complacente opinião pública européia por seus governos democráticos e de frentes populares, proporcionou a Hitler os elementos essenciais à sua logística futura na II Guerra, pelas anexações autorizadas, e os conseqüentes recursos encontrados nos parques industriais dos países anexados. O esperado confronto Alemão-Russo, um dos motivos da tolerância das democracias ocidentais a Hitler, revelou-se uma falsa promessa após o pacto Ribemtrop-Molotov. A URSS ganhava tempo, os alemães, territórios e a legenda de exército invencível. Os italianos mandavam bombas e pão sobre a Abissínia, e Hitler testava seus aviadores na Guerra Civil Espanhola, onde a cidade de Guernica ficou tristemente celebrizada em tela homônima de pintor Pablo Picasso.
A Europa das vésperas da Grande Guerra mantinha graves focos de tensão, potencializados ainda mais por incluir disputas geopolíticas, competição inter-imperialista, emergência de novos atores, e, por conta de tudo isto, um ambiente propício às alianças militares e à diplomacia secreta, que conduziram à corrida armamentista. O nacionalismo exacerbado, dito modelo 1914, esperava portanto, apenas uma crise. Em termos geopolíticos, eram em número de três, as principais áreas de disputa no continente europeu. Começando pelos Bálcãs, havia o confronto de interesses entre a Sérvia e a Áustria-Hungria, com os sérvios recebendo sustentação do Império Russo, nominalmente sob a forma de solidariedade de um pretenso pan-eslavismo, ao passo que o multinacional Império Austro-Húngaro recebia apoio alemão. A fronteira franco-alemã possuía, na guerra franco-prussiana, um manancial de ódios represados, materializados no desejo de desforra mantido pelo Estado e sociedade francês, sobretudo no seu Exército (o Plano XVII, o irresistível e ofensivo élan francês, o dólmã azul e a calça vermelha), mas também em seus mestre-escolas: o alemão “bárbaro”, inimigo do “ocidente”. Tudo isto, era atualizado pela posse alemã das antigas províncias de Alsácia e Lorena. A fronteira russo-alemã era outra das áreas de tensão. A Alemanha fizera, da união dos interesses da sua nobreza rural, os junkers, com os industriais das cidades, uma espécie de compromisso de interesses, tornado cimento superestrutural do Reich, o chamado “casamento do ferro com o centeio” (alusão aos seus principais produtos). Desta união surgiu a chamada sociedade guilhermina, modernizada pelo alto, sob uma forma conservadora e de pouca afeição à democracia. Sua produção industrial ameaçava – ao pensarmos em uma força profunda de natureza econômica – os interesses comerciais do Império Britânico. E em uma era de Impérios, torna-se necessário assinalar, as potências européias haviam se lançado, abertamente, a partir da Conferência de Berlin (1885) à conquista de Colônias, fosse pelo controle territorial, ou mesmo mantendo, quando houvesse governo local que merecesse esse nome, uma espécie de independência nominal.
Outro fator incontornável para pensarmos as vésperas de 1914, eram os novos atores, os quais: a) moviam conflitos de nacionalidades; b) o movimento operário em seus moldes traçados na II Internacional; e c) a desenraização de populações rurais, absorvidas parcialmente pelos novos territórios coloniais, ou a engrossar o exército industrial de reserva (essa conhecida expressão de K. Marx), quando não faziam aumentar o chamado lumpen proletariado (essa outra expressão de Marx), que nos leva irremediavelmente a uma expressão da época: as “classes perigosas”, pesadelo do Estado e dos seus organismos de repressão. Foi o medo da força das minorias nacionais, do socialismo e das convulsões proporcionadas pelas “classes perigosas” que favoreceram nas cabeças coroadas da Europa - secundadas pela nobreza nostálgica e a cúpula da alta burguesia – pelos instrumentos do darwinismo social e pela guerra – a continuidade de aspectos daquilo que Arno J. Mayer denominou por “persistência do Antigo Regime”.
Um resumo, bastante simplificado é claro, do ambiente internacional às vésperas da I Guerra Mundial, ajuda a explicar o que foi colocado nas últimas linhas. Observamos inicialmente um forte expansionismo alemão, o qual busca uma paridade naval com sua rival pelos lucros do comércio mundial, a Inglaterra. Porém a Alemanha é um Império central na Europa, cercada de inimigos figadais e seculares, tanto a Oeste, quanto a Leste do seu território. Porém se possui colônias que serviam para a projeção dos seus interesses, em menor número que a Inglaterra, a pretendida paridade naval com os ingleses, poderá colocar as colônias e as rotas navais inglesas em risco, e era óbvio, que a Inglaterra não queria perdê-las. No entanto, uma guerra no continente europeu, em face das alianças possíveis, envolvia o que Joseph Nye costuma chamar de "funil de escolhas". A explicação é bastante simples e fácil de ser identificada, inclusive em termos gráficos: havia um “funil de escolhas” que acabaram por levar à Guerra, e este funil, a partir de tais escolhas, começou a se estreitar em 1870 (com a Guerra Franco-Prussiana), prosseguindo seu estreitamento quando o kaiser Guilherme II demitiu Otto Von Bysmark (1890), e chegando aos vários episódios de alianças e da diplomacia secreta como em 1904 (entente Grã-Bretanha e França), 1907 (Tríplice Entente, com a Rússia passando a integrar-se na aliança anteriormente formada por ingleses e franceses). Em 1910, o funil de escolhas estreita-se ainda mais, gerando insegurança, corrida armamentista, crises localizadas, mas sobretudo, emoldurando cada vez mais, o cenário dos chamados “futuros possíveis contrafatuais”; contrafatuais é claro, se tomarmos por base 1913, último ano gozado em inteira paz, até que houvesse o atentado terrorista de inspiração nacionalista em Seravejo, vitimando o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro. Evento que, como sabemos, acabou por desembocar a Grande Guerra, a partir das garantias dadas à Áustria pela Alemanha; apoio que se revelou um verdadeiro "cheque em branco". O mundo teria que necessariamente ter ido à Guerra? Podemos considerar que não. Pois para haver uma guerra tem que haver certa relação entre causas sistêmicas de nível internacional (digamos, o aumento do poderio alemão), causas societárias a nível interno (nacionalismo em ascensão, conflito de classes interno, política alemã agressiva) as quais se juntam no sistema internacional para causar, tanto uma bipolaridade de alianças (como foi o caso das alianças acima citadas) que acarretam uma perda de moderação no processo do sistema, os quais poderão levar uma crise ao limite. Então, nesse momento, juntamente às causas sistêmicas e societárias, entram as causas pessoais, melhor dizendo, a personalidade dos líderes. O Káiser quis a Guerra em 1914. E não foi o único a querê-la.
Quando os Estados-Maiores da Tríplice Aliança e da Tríplice Entente expediram, em agosto de 1914, as suas ordens de mobilização e marcha com a finalidade de executar, entre outros os Planos XVII (francês) e Schlieffen (alemão), estavam na realidade instrumentalizando, sob o abrigo da febre de nacionalidade, forças profundas como a capacidade industrial de sociedades de massa, cujos experimentos tecnológicos incluíam os gases letais, a metralhadora em larga escala, o avião, o carro blindado e o submarino. Além, é claro das locomotivas, tão úteis em uma guerra que se revelava de "massa". Contudo, uma guerra profundamente estática e desgastante. Impasse cujo fiel da balança, sobretudo após a retirada da Rússia, somente poderia ser superado pela entrada de um ator extra-europeu: os Estados Unidos da América. O conflito mundial levado a efeito em 1914, sob um clima de celebração ufanista das virtudes propaladas por arraigado nacionalismo, acabou por dar ensejo em 1919, a um mundo em que havia espaço para o idealismo esboçado no projeto de segurança coletiva representado pela Sociedade ou Liga das Nações, mas também pelo fortalecimento das idéias pacifistas. Vale lembrar que o acordo de Versalhes é considerado como o primeiro ato constituinte de auto-regulação global por parte de uma sociedade que, de européia, tornara-se mundial; arranjo transitório, é verdade, dadas as ausências da Rússia e da Alemanha. O objetivo em Versalhes era produzir tanto um acerto que pudesse funcionar para a Europa, quanto a planta das regras e das instituições para uma sociedade mundial capaz de manter a ordem e de evitar a guerra. Foi nos poros cedidos pelo imperfeito esboço dessa ordem, que frutificaram o nazismo, o fascismo e o socialismo de Estado, ao longo das décadas de 20 e 30. Convém acrescer que os elementos de continuidade com o passado europeu ainda eram muito fortes, talvez os principais, nas mentes dos estadistas reunidos em Versalhes. Os próprios tratados de paz eram documentos juridicamente geradores de obrigações de acordo com a tradição européia, embora os termos tenham sido mais abertamente ditados pelos vencedores. Os vencedores de então redesenharam fronteiras, aboliram Estados, criaram novos Estados e impuseram indenizações financeiras pouco sábias. A concepção da nova sociedade global, a Liga das Nações, perpetuou a prática de cinco grandes potências, que, exceto em casos de desacordo claro, tinham a finalidade de constituir uma espécie de concerto do mundo, por dominarem o Conselho da Liga; esta concepção de sociedade global incorporava quase todas as regras e as práticas que haviam se desenvolvido na grande republique européia, inclusive seu direito internacional e sua diplomacia, assim como seus pressupostos básicos sobre a soberania e a igualdade jurídica dos Estados reconhecidos como membros independentes da sociedade, deixando virtualmente intactas as capitulações e outras práticas que os europeus haviam instituído coletivamente em países que iam do Marrocos à China, bem como as grandes estruturas imperiais dos Estados dependentes controladas pelos vencedores e por alguns países neutros. A opinião pública dos países democráticos ocidentais, bem como os seus estadistas, em face do horror da carnificina e destruição experimentadas na Grande Guerra, elegeram como tarefa primordial, criar um sistema de segurança, declarar a guerra “fora da lei” e evitar um outro armagedon, o que auxilia a explicar o pacifismo de populações com poder de voto, e a devida cautela por parte de seus governos democráticos nas décadas de 20 e 30, com os gastos militares, em uma época de reconstrução, crise e depressão econômica. A vexatória e humilhante cláusula de culpa de guerra, à qual os alemães tinham sido obrigados a aceitar, e a divisão dos espólios de guerra que tornaram insatisfeita a Itália e o Japão, fizeram surgir diante de uma inoperante Liga das Nações, o fascismo italiano e o nazismo alemães, assim como diversas cópias e simpatizantes pelo continente europeu, e além deste. Nunca é demais dizer que o nacionalismo exacerbado e a crise econômica funcionaram como se fossem “água para o moinho” de Mussolini e Hitler, derrubando as frágeis democracias italiana e alemã. Os ditadores alemão e italiano tinham bons motivos para sorrir às vésperas da II Guerra, quando receberam a companhia do Japão, movido por sua casta militarista. Esperavam as potências ocidentais que o arroubo daqueles ditadores fosse lançado contra a URSS, considerada então um Estado “fora-da-lei”. Na conjuntura do período entre-guerras, as expressões “Ditador”, considerada em certos círculos nada pejorativa, e “ nacional socialismo” possuíam seguidores nada envergonhados, e a inovação trazida pela recén-introduzida forma massiva de propaganda governamental, o rádio e o cinema, aumentavam este círculo de crentes, e colocavam como incontestável a planificação econômica por parte do Estado; afinal, não fora um economista acima de qualquer suspeita, e mesmo avesso confesso ao socialismo – John Maynard Keynes - que se rendera aos benefícios do planejamento estatal ? A legitimação de aberrações contra a espécie humana, desde os campos de concentração, até as algumas pesquisas genéticas extremamente condenáveis, passando pelas "mortes sociais" representadas pelo afastamento sumário dos cargos públicos dos contrários ao regimes de força, ou pelos julgamentos nos tribunais de exceção, tornaram-se de certa forma,palatáveis, sob o abrigo de um pretenso bem estar das "massas". A política de apaziguamento apresentada a uma complacente opinião pública européia por seus governos democráticos e de frentes populares, proporcionou a Hitler os elementos essenciais à sua logística futura na II Guerra, pelas anexações autorizadas, e os conseqüentes recursos encontrados nos parques industriais dos países anexados. O esperado confronto Alemão-Russo, um dos motivos da tolerância das democracias ocidentais a Hitler, revelou-se uma falsa promessa após o pacto Ribemtrop-Molotov. A URSS ganhava tempo, os alemães, territórios e a legenda de exército invencível. Os italianos mandavam bombas e pão sobre a Abissínia, e Hitler testava seus aviadores na Guerra Civil Espanhola, onde a cidade de Guernica ficou tristemente celebrizada em tela homônima de pintor Pablo Picasso.
Bibliografia:
HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos: o breve Século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
KENNEDY, Paul. Ascensão e Queda das Grandes Potências: transformação econômica e conflito militar de 1500 a 2000. Rio de Janeiro: Campus, 1989.
MAYER, Arno J. A Força da Tradição: a persistência do Antigo Regime (1848 -1914). São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
SARAIVA, José Flávio Sombra (Org.). História das Relações Internacionais Contemporâneas: da Sociedade Internacional do Século XIX à era da Globalização. São Paulo:Saraiva, 2007.
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