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quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O fim da "Guerra Fria", e a Gestação da "Nova Ordem"





O fim da Guerra Fria encontra-se bastante imbricado às questões que levaram, a partir do fracasso no centro do sistema socialista – a URSS – ao colapso das economias de comando que compunham, o conjunto dos países do leste europeu de, a priori, absoluta planificação estatal e comando político entregue a um único partido, que na verdade, longe de ser um partido entregue às “massas”, se constituía em um corpo de oficiais dos cadres, conhecidos nos textos dos dissidentes políticos como a “nomenklatura”. Era este grupo que efetivamente constituía o sistema de comando dos estados leninistas, um quadro que, apesar de encarado no Ocidente por certos grupos, com respeito e até uma relutante admiração, carregavam na realidade um potencial de degeneração burocrática e corrupção pessoal. A “era” Brejnev (anos 60 e 70) revelou a nomenklatura como um grupo interesseiro que combinava incompetência e corrupção, revelando que a “Império Soviético” operava naqueles anos de decadência, sob um sistema de patronato, nepotismo e suborno. A economia soviética e mundial estavam em visível declínio, porém ao contrário do que ocorreu à época da Grande Depressão dos anos 30 (quando os soviéticos estavam praticamente fora da economia mundial), a URSS não estava mais imune. As economias do Socialismo Real, melhor dizendo, da URSS e da Europa Oriental – assim como partes do chamado Terceiro Mundo – acabaram se tornando as grandes vítimas daquilo que Hobsbawm veio a chamar de “crise pós-Era de Ouro” da economia capitalista global. Não é preciso dizer que as economias de mercado desenvolvidas, embora abaladas, conseguiam atravessar os anos difíceis até pelo menos o início da década de 1990. Porém, e aí talvez resida um fator essencial tanto para explicar a estagnação dos anos 70 na URSS, quanto a corrida pelas reformas urgentes da segunda metade dos anos 80, encontrou Gorbachev clamando por Perestroika e Glasnost. A crise do petróleo, teve inicialmente, conseqüências felizes para os soviéticos, por ser o país de um dos principais produtores do líquido negro, então transformado pela alta dos preços, em ouro. A URSS, sem grande esforço, conseguia pagar suas importações do Ocidente capitalista, com a energia exportada, e de quebra, adiava a necessidade de reformas. Na outra parte do “Socialismo Real”, como a Polônia e a Hungria, os empréstimos proporcionados pela inundação de dólares dos multibilionários estados da OPEP, os chamados petrodólares pareceram, naquele momento, uma forma providencial de ao mesmo tempo, pagar o investimento da aceleração do crescimento, e elevar o padrão de vida de seus povos.Em princípios dos anos 80, a Europa Oriental encontrava-se em grave crise de energia, com escassez de alimentos e bens manufaturados. Não é preciso então lembrar que a Europa do Leste era o “calcanhar de Aquiles” dos sistema soviético, sendo a Polônia e a Hungria (esta em menor medida), seus pontos mais vulneráveis. A era da estagnação que Mikhail Gorbachev denunciou ao chegar ao poder em 1985, fora na verdade uma era de aguda fermentação política e cultural para a elite soviética. Este grupo era formado não somente pelo relativamente minúsculo grupo de autocooptados chefetes do Partido Comunista no topo da hierarquia da União, mas também pelo relativamente vasto grupo de classe média educada e tecnicamente formada, os quais, juntamente com os administradores econômicos, mantinha o país à tona, ou acima da “linha d’água”. A resposta das camadas política e intelectual aos apelos de Gorbachev por Glasnost (abertura ou transparência) e seus esforços em prol da Perestroika (reestruturação econômica) não devem contudo serem tomados como uma resposta do grosso dos povos soviéticos. Para a grande massa da população União Soviética, é verdade, o regime socialista russo ainda era legítimo e inteiramente aceito por mera escassez de sobreviventes dos anos anteriores a 1917. Conforme escreveu Joseph Nye, ao assumir o poder, Gorbachev tentara inicialmente disciplinar o povo soviético, como uma forma de superar a estagnação econômica então vivida. Ao lançar a idéia da perestroika, traduzida como reestruturação, ficou revelada a incapacidade soviética de reestruturar de cima, porque os burocratas do partido distorciam as suas ordens. Foi a tentativa de Gorbachev de driblar o bloqueio dos burocratas, utilizando-se da estratégia da Glasnost – ou transparência, discussão aberta e democratização – uma estratégia para fazer a perestroika funcionar, usando como combustível a insatisfação popular contra os burocratas, que trouxe à tona a livre discussão. Mas assim que a Glasnost permitiu que as pessoas dissessem o que pensavam, e votassem de acordo com isso, muitos revelaram a sua consciência de exclusão das benignidades apregoadas pelo sistema. Gorbachev teria cometido erros de cálculo, pensando que o comunismo russo seria corrigido, mas ao tentar corrigí-lo, abriu nele uma grande fenda. Em termos de política externa, a era Gorbachev exprime bem aquilo que se encontra no bojo do conceito conhecido como Dilema de Segurança. A noção de dilema de segurança encontra-se relacionada com os efeitos de uma organização anárquica e a ausência de um governo superior, ou seja, duas das características essenciais da política internacional. O dilema ocorre quando um Estado promove uma ação independente para aumentar a sua segurança, no que acaba em face dessa ação, por tornar todos os outros Estados mais inseguros. Nisto, aqueles Estados que se sentem ameaçados podem vir a aumentar a sua força, para proteger-se do primeiro. O resultado dessas ações é que os esforços independentes de cada um para aumentar a própria força e segurança tornam a todos os envolvidos, mais inseguros. Neste sentido, possuiu um papel fundamental na disputa entre russos e americanos pela hegemonia, constituindo-se em conseqüência como fator de um dilema de segurança, o faraônico projeto arquitetado pelo Pentágono, apelidado de “Guerra nas Estrelas”. Tratava-se de um sofisticado e caríssimo escudo anti-mísseis, ao qual foi dado o nome oficial de “iniciativa de defesa estratégica” (1983), e visava aparentemente, o estabelecimento de um amplo escudo espacial, considerado tão “eficaz” tecnologicamente, quanto irrealizável na prática (conforme escreveu o Prof Amado Cervo). O escudo deveria ser capaz de eliminar a capacidade de penetração dos mísseis intercontinentais soviéticos. Seu único efeito visível – ainda sob a lavra do prof. Cervo – foi esgotar recursos orçamentários dos dois contendores, precipitar a crise fiscal de seus respectivos Estados, e acelerar a ruína econômica daquele dotado de estruturas produtivas menos flexíveis ou inovadoras. O ‘keynesianismo militar’ praticado pela administração Reagan confirmou, por um lado, os efeitos multiplicadores – em termos estritamente microeconômicos – do ‘modo inventivo de produção’, desenvolvido pelo capitalismo ocidental. A política de externa de Gorbachev (que ele chamava de novo pensamento), confrontada com o dilema de segurança, possuía então dois elementos muito importantes. O primeiro eram as idéias de mudança, que os construtivistas enfatizam como o conceito de segurança comum. Nele, o clássico dilema de segurança é explorado com a união para proporcionar segurança. Gorbachev e as pessoas que o cercavam disseram que em um mundo de interdependência cada vez maior, a segurança era um jogo de resultado diferente de zero, e todos poderiam beneficiar-se pela cooperação. A existência da ameaça nuclear significava que todos poderiam morrer juntos, se a competição saísse do controle. Em vez de tentar fabricar o máximo possível de armas nucleares, Gorbachev proclamou a doutrina da “suficiência”, mantendo um número mínimo de proteção. A outra dimensão da política externa de Gorbachev foi sua opinião de que o expansionismo é normalmente mais caro que benéfico. O controle soviético sobre um império na Europa Oriental estava custando demais e proporcionando muito poucos benefícios, e a invasão do Afeganistão fora o desastre mais caro. Não era mais necessário impor um sistema social comunista, como um meio de garantia da segurança nas fronteiras soviéticas. Gorbachev, possivelmente sem querer, desencadeara a desintegração da URSS, tornada mais evidente após o golpe fracassado dos linhas-duras, em agosto de 1991. Em dezembro do mesmo ano, a União Soviética deixava de existir. No Leste , em meados de 1989, os europeus orientais haviam ganho um maior nível de liberdade, com a Hungria permitindo que os alemães orientais fugissem para a Áustria, através do seu território, êxodo que impôs uma pressão enorme sobre o governo da Alemanha Oriental. A realidade era que os governos europeus orientais não tinham mais ânimo – ou o apoio soviético – para reprimir manifestações. Em novembro o muro de Berlin foi rompido.
A Nova Ordem Mundial, surgia então, ao final da Guerra Fria. Costumeiramente é descrita na literatura especializada como um sistema pós-hegemônico, caracterizado por uma multipolaridade estratégica, onde vários grandes atores passaram a reger coletivamente os negócios internacionais. Um desses grandes atores encontramos no G-8, consórcio informal composto por EUA, Japão, Alemanha, França, Itália, Grã-Bretanha, Canadá e Rússia (esta última, a partir de 1992). Caracterizada por incertezas e complexidades, a nova ordem internacional assistiu a emergência de zonas de conflito em áreas sob a a antiga influência soviética (Balcãs, Oriente Próximo, e alguns países africanos, como Somália, Chade, Congo, Angola, Libéria). Também podem ser ressaltados o fim da unidade de discurso do Terceiro Mundo, extensos processos migratórios, alguns deles pelo agravamento das crises da dívida externa dos países em desenvolvimento, um maior interesse pelas políticas ambientais e de direitos humanos, e certo refluxo nas políticas de segurança de alguns Estados. Com o fim do confronto Leste-Oeste, a OTAN e o Pacto de Varsóvia perderam terreno (mas no caso da aliança Ocidental, não a sua capacidade de operar, como ficou claro nos Bálcãs, durante a guerra étnica no antigo território iugoslavo), para as estratégias de defesa propriamente nacionais. O avanço da democracia e o discurso em prol desta foi reforçado pela posição americana de garante de uma ordem inspirada na sua própria estrutura de Estado: liberalismo econômico, democracia política e direitos humanos. Completam o quadro, a contestação dos valores ocidentais, ou ao menos, a sua universalidade, onde o fundamentalismo islâmico parece disposto a ocupar o posto de maior rival, pois a Al Qaeda e outros protagonistas transnacionais formaram redes mundiais de ativistas, desafiando os meios de defesa nacionais convencionais por meio do que têm sido chamado de guerra assimétrica. Os exemplos deste tipo de confronto podemos encontrar tanto nos ataques ao território americano durante o 11 de setembro, quanto em Londres ou Madrid, mas também nas invasões do Afeganistão pela força multinacional articulada pelos EUA e na 2ª Guerra do Iraque. A Globalização parece, no entanto, o grande fio condutor a perspassar todas estas características da Nova Ordem. Afinal, se a todo momento é divulgado por críticos e entusiastas, que o processo de globalização surgiu com as grandes navegações, ou até mesmo antes, com a viagem de Marco Pólo à China, temos a certeza que aspectos do mundo moderno como a mudança do papel do Estado-Nação e o incremento dos processos de regionalização (UE, NAFTA, Mercosul...), foram gestados pelas imposições de uma nova ordem. Praticamente metade de toda a produção industrial atual é realizada por empresas multinacionais, cujas decisões sobre onde localizar a produção têm um efeito importante sobre as economias internas. A globalização, definida como redes mundiais de interdependências, tornou as fronteiras nacionais mais permeáveis, mas não irrelevantes. Já sabemos que globalização não significa a criação de uma comunidade universal, e tanto em termos sociais, quanto em termos econômicos, a homogeneização não resulta necessariamente da globalização do século XXI. São as características de rapidez e intensidade, os chamados “efeitos de rede” – as situações em que o valor de um produto aumenta na medida em que muitas pessoas passam a usá-lo – que se apresenta como um dos traços propriamente distintivos do processo. Outro aspecto importante seria o “Globalismo” ou a densidade das redes de interdependência, significando que os efeitos de um acontecimento em uma região geográfica, ou a dimensão humana, econômica ou ecológica, podem ter conseqüências profundas sobre outras regiões geográficas, em dimensões militares ou sociais.






Bibliografia:

HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos: o breve Século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

KENNEDY, Paul. Ascensão e Queda das Grandes Potências: transformação econômica e conflito militar de 1500 a 2000. Rio de Janeiro: Campus, 1989.

SARAIVA, José Flávio Sombra (Org.). História das Relações Internacionais Contemporâneas: da Sociedade Internacional do Século XIX à era da Globalização. São Paulo:Saraiva, 2007.

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