A Reforma do Conselho de Segurança da ONU, e o Brasil
Antonio Carlos F.*
Introdução:
Inserida em uma temática maior – a do sistema Internacional de Estados - e quase confundido-se com esta, por ser considerada o seu cerne, a reforma do Conselho de Segurança da ONU trata-se, segundo alguns estudiosos, de atividade incontornável à manutenção da legitimidade deste sistema.
A postulação brasileira a uma das vagas a serem abertas neste círculo tão seleto e importante, no entanto, enfrenta adversários poderosos, seja na diplomacia exercida pelos países centrais do capitalismo e das agências a estes articuladas, seja no plano da política interna brasileira e dos formadores de opinião da sua sociedade civil.
I
A candidatura brasileira a uma das vagas a serem abertas no Conselho de Segurança da ONU aparece muitas vezes associada a algum desejo perdido no passado, como a antiga pretensão brasileira em compor, à época da Liga das Nações, o Conselho Executivo daquela organização.
Este tema merece algum desenvolvimento, pois cabe separar a candidatura de um país que ao início do século XX era essencialmente agrícola, daquele que no século presente apresenta-se como a oitava maior economia mundial. Como se sabe, na qualidade de signatário do Tratado de Versalhes, sendo um dos instituintes do pacto fundador daquela Liga, logrou o Brasil ser eleito membro rotativo para aquele Conselho por dois períodos consecutivos.
O Brasil aproveitou ainda o debate em torno da reformulação daquele Conselho para lançar a candidatura a membro permanente (MELLO E SILVA, 1998:149). É também sempre lembrado que as pretensões do então ministro das relações exteriores, Domício da Gama, de enviar delegados à Conferência de Paz de Versalhes (1919), somente foi atendida pelas amizades norte-americanas mantidas por aquele diplomata, ou seja, o prestígio de Domício junto às autoridades norte-americanas valera ao Brasil o esforço do Presidente Woodrow Wilson junto aos aliados, garantindo o envio de três delegados brasileiros, o mesmo número que a Bélgica e a Sérvia.
O mesmo motivo é apontado para a nomeação do Brasil como membro temporário para o Conselho Executivo da Liga, o órgão mais importante desta, por três anos (1921-1923), sendo então eleito por mais três (1924-1926), (CERVO & BUENO, 2002:222).
Associar essa antiga candidatura brasileira às novas pretensões a um assento no Conselho de Segurança da ONU consiste em erro de avaliação, que tomando a perspectiva histórica como fundamento teórico, e a técnica da História comparativa como método, acaba por fazer a análise e suas conclusões chafurdar no pior dos pecados cometidos por aqueles que se dispõem ao estudo da História, o anacronismo, por criar relações tanto unívocas quanto inexistentes, entre o peso desfrutado pelo Conselho Executivo da Liga e o Conselho de Segurança da ONU, e quanto pior, entre o antigo país agrícola e o atual grande país periférico.
II
Nas palavras de Samuel Pinheiro Guimarães Neto, “a reforma do Conselho de Segurança é a operação central da construção da nova ordem mundial através de amplo esforço de normatização, patrocinado pelas estruturas hegemônicas” ( 2001:103).
Convém esclarecer que a noção de estruturas hegemônicas, conceito central em textos desse autor, é empregada para substituir a idéia de Estado hegemônico, entendendo-se tal Estado como em condições de organizar o sistema internacional em seus diversos aspectos, de tal maneira que interesses de toda ordem desse Estado sejam assegurados e mantidos, se necessário, pela força. Esta situação foi a experimentada pelos EUA no imediato pós Segunda Grande Guerra.
Já as estruturas hegemônicas (de poder político e econômico) mais adequadas segundo esse autor para analisar o contexto atual, seriam o resultado de um processo histórico de longa duração, e estariam destinadas a beneficiar os países que as integram, tendo aliás como seu principal objetivo, sua própria perpetuação, o que fazem através de estratégias de preservação e expansão de poder. Nisto, criam organizações internacionais, para (com vistas à preservação desse poder) legitimá-lo aos olhos da sua opinião pública nacional.
Neste sentido, a idéia de criar um novo sistema de segurança coletiva, reformando a proposta de Dumbarton Oaks (1944), elaborada em pleno desenrolar do segundo grande conflito mundial pelo Departamento de Estado Norte-Americano, e da Conferência de Yalta (1945), significa atualizar a titulação daqueles que devem interpretar o conceito de segurança coletiva, enquanto integrantes do Conselho de Segurança, que é independente em suas decisões e que não presta contas nem mesmo à Assembléia Geral.
É claro que os custos de tais decisões deverá ser pago por todos os Estados. Vejamos acerca disto o que escreveu Samuel Pinheiro Guimarães, “ O Conselho decide se uma situação constitui uma ameaça à paz ou uma ruptura da paz e pode determinar sanções de diversos tipos e até o uso da força contra os Estados considerados culpados pelo Conselho e fazer com que todos os Estados membros das Nações Unidas (e não-membros) cumpram essas decisões, sobre as quais não foram sequer consultados”. (2001:106).
A esta fundamentada opinião, podemos agregar o contexto no qual encontra-se inserida a reforma deste Conselho. Na opinião de Demétrio Magnoli, encontra-se em construção, desde o início dos anos 1990, um consenso conservador, expresso na tendência a enxergar o resultado da Guerra Fria como uma espécie de vitória dos princípios morais e democráticos (do ocidente capitalista) na esfera dos sistema internacional.
A partir daquela ruptura histórica, vista com maior acuidade a partir da Queda do Muro de Berlin (1989), ficou fortalecido um consenso ideológico claramente retratado na evocação de uma “Nova Ordem Mundial”, defendida veementemente por Washington, e que segundo o professor Magnoli traz em seu bojo estratégias de perpetuação do status quo vigente.
Uma das estratégias seria adequar, aliás de forma bem realista, aos integrantes permanentes do Conselho (com poder de veto), a saber, Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e China (os P-5), outros dois membros: a Alemanha e o Japão, que aliás só admitem seu ingresso como membros permanentes no Conselho, caso possuam o direito de veto.
A tais pretensões – justificadas - da Alemanha e do Japão, somam-se as dos grandes países periféricos. Índia, África do Sul e Brasil aparecem apresentando suas economias, população e território como avalistas, o que no caso brasileiro, somam-se como, à época da Liga das Nações, o argumento, bem mais pautável na atualidade, de representar a América do Sul. Tratam-se obviamente de países aos quais convencionou-se denominar, sobretudo após a inauguração da “Nova Ordem Mundial”, como “emergentes”.
A posição oficial brasileira, expressa em um contencioso ostensivo publicado com o nome de ‘Repertório de Política Externa: posições do Brasil’, é em favor da democratização do Conselho de Segurança, ampliando para os termos da América Latina a representatividade do país. (2007:196). Neste sentido, as Operações de Paz levadas a efeito na África, no Timor-Leste, e no presente, no Haiti, passariam a corroborar tais pretensões.
III
Em verdade, na tão sobrevalorizada Nova Ordem Mundial, encontra-se paralelamente em preparo com a reforma do Conselho de Segurança, a ampliação da sua própria competência. Não se limitando mais às questões de ameaça à paz ou ruptura da paz, caberia às Nações Unidas – através do seu Conselho de Segurança – a obrigação e o direito de intervir em situação de colapso do Estado, genocídio, ou ainda de graves agressões a direitos humanos, e mesmo de graves danos ao meio ambiente. Samuel Pinheiro Guimarães assim se expressou acerca das relações de um Conselho de Segurança munido de novas atribuições, com algumas agências internacionais e a nova dinâmica dos fluxos capitalistas:
“ Recentemente, os esforços de regulamentação internacional passaram a se orientar também para disciplinar a vida interna política e econômica dos países de forma geral mas em especial da periferia, inclusive através de imposição de sanções, inauguradas pelas leis de comércio americanas e cujos mecanismos básicos vieram a ser incorporados como dispositivos de organismos internacionais financeiros e comerciais. Esse esforço, que se desenvolve em níveis unilateral, bilateral, regional e multilateral, sempre impulsionado firmemente pelos Estados Unidos, corresponde às necessidades das megaempresas multinacionais, interessadas na uniformização do quadro jurídico, na desregulamentação da atividade econômica, na redução do poder de empresas nacionais e do Estado-empresário. Esse esforço, quando bem sucedido, resulta em normas de direito internacional que tendem a corresponder à legislação americana, sancionadas formal ou informalmente por uma gama de organismos multilaterais e por órgãos americanos.” (2001:112-3)
Um esforço de Conclusão:
Neste sentido, passa a caber à OMC, à OCDE, ao FMI e ao Banco Mundial a definição das regras de comportamento econômico nos níveis internacional e doméstico que deverão ser seguidas pelos países periféricos, em visível redução da capacidade soberana dos seus governos e parlamentos.
No pensamento que se pretende único, a ausência de restrições á livre movimentação dos capitais financeiros alia-se à desregulamentação da atividade econômica, reforçada pela eliminação da atividade empresarial do Estado e pela aplicação de políticas de ‘âncora cambial’, para retirar a possibilidade de uma política monetária ativa.
Esse receituário, se reaviva a antiga discussão entre monetaristas e desenvolvimentistas, já provou a sua capacidade de limitar o crescimento de países periféricos – veja a década de 1990 no Brasil – ao crescimento de suas receitas cambiais, política econômica que se apresentando como deflacionária, mostra-se do ponto de vista social, desagregadora.
Lembremos que a desagregação social, aliada ao incentivo, muitas vezes discreto de governos estrangeiros, através de ONGs a estes articuladas pode, em certas circunstâncias, tornar-se um bom motivo para intervenções feitas sob a aparência da defesa do direito das minorias.
E se a História não se repete, como sabemos, como drama, mas sim como farsa, a desterritorialização, sob a forma de enclaves territoriais – para indígenas, quilombolas ou outras minorias étnicas ou culturais - pode vir a representar para grandes países periféricos, uma séria ameaça.
Bibliografia:
BRASIL. Ministério das Relações Exteriores. Secretaria de Planejamento Diplomático. Repertório de política externa: posições do Brasil. Brasília: Alexandre de Gusmão, 2007.
CERVO, Amado Luiz, BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. 2.ed. Brasília: UNB, 2002.
GUIMARÃES NETO, Samuel Pinheiro. Quinhentos anos de periferia: uma contribuição ao estudo da política internacional. 3.ed. Porto Alegre: UFRGS, 2001.
MAGNOLI, Demétrio. Manual do Candidato: Política Internacional. 3.ed. Brasília: FUNAG, 2004.
SILVA, Alexandra de Mello. Idéias e política externa: a atuação brasileira na Liga das Nações e na ONU. Revista Brasileira de Política Internacional. Brasília. N.41, fasc. 2, 1998, p. 139-158.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário